Mobilidade urbana em tempos de pandemia
A pandemia COVID-19 tem sido gerida de forma diferente pelos países. No caso do Brasil, alguns estados e municípios impuseram restrições na liberdade de circulação. Tais medidas levaram a uma forte quebra na atividade econômica e nos volumes de tráfego de veículos e pessoas nas cidades. O Google divulgou dados sobre a alteração nos padrões de mobilidade e, para o caso brasileiro, há diferenças marcantes.
Durante este período, o grande perdedor será o transporte coletivo. Boa parte de sua demanda advém das viagens pendulares (casa-trabalho-casa e casa-ensino-casa) e, logo que a quarentena começou, empresas de ônibus passaram a operar os horários de fim de semana ou de férias e, algumas, simplesmente suspenderam as suas operações devido à falta de demanda.
Esta quebra abrupta vai impactar muitos operadores, levando alguns à falência. Da mesma forma que houve uma diminuição no volume de passageiros de transporte público, houve também uma redução drástica no tráfego automóvel e estacionamento, reduzindo assim a poluição do ar e sonora, a insegurança viária e o desgaste das infraestruturas. Quem ainda precisa ir trabalhar pode aproveitar a cidade com pouco ou nenhum trânsito e ônibus e metrôs vazios. Mas uma hora isso vai acabar e a vida vai voltar lentamente ao normal. E como serão nossas cidades pós COVID-19?
Mesmo que a atividade econômica retorne ao normal, o transporte coletivo levará mais tempo para se recuperar, pois os ônibus, trens e metrôs muito cheios são propícios para a disseminação da doença. Os passageiros que têm outra opção de mobilidade vão provavelmente a escolher. Nestes casos, muitos vão optar pelo carro particular, piorando ainda mais os níveis de congestionamento de antes. Como provavelmente nenhuma prefeitura vai adotar uma taxa de congestionamento para mitigar este potencial efeito futuro, a solução passará por investir nas calçadas e ciclovias de modo a melhorar as alternativas ao carro particular. E o momento ideal para se fazer isso é justamente agora que as ruas estão vazias.
No entanto, há um problema. Durante a quarentena é impossível fazermos grandes obras — afinal, todo mundo tem de estar em casa! O que se pode fazer agora são pequenas intervenções para depois serem ampliadas como, por exemplo, alterações na sinalização vertical e horizontal e a eliminação de vagas de estacionamento da rua. Algumas cidades já estão tomando iniciativas nesse sentido: é o caso de Nova York, que pintou ciclovias temporárias que podem vir a se tornar permanentes.
Além dessas medidas, outro grande benefício desse experimento social será comprovar a viabilidade (ou não) do home office/tele-trabalho. Inúmeras empresas continuam a operar à distância: o tráfego saiu das ruas e passou para as redes de internet. Só daqui alguns meses as empresas poderão efetivamente medir os ganhos ou perdas de produtividade desse novo sistema de trabalho. No entanto, elas provavelmente chegarão a conclusão de que o home office não é um bicho de sete cabeças e que, um ou outro dia, não há problema em alguns funcionários trabalhem de casa. O home office já existe há muito tempo, mas nunca foi verdadeiramente abraçado pelas pequenas e médias empresas. Talvez agora seja uma oportunidade de rever isso. No fim das contas, as cidades iam se beneficiar muito com a redução na demanda de viagens nas horas de pico.
As prefeituras podem agir agora. O distanciamento social traz uma oportunidade única: como há pouco trânsito, facilmente ruas podem ser fechadas, calçadas alargadas e faixas de ônibus e ciclovias podem ser criadas. Talvez nunca mais na nossa geração teremos as cidades tão vazias e disponíveis para essas mudanças necessárias na (re)distribuição do espaço público. Acima de tudo, agora é um momento para as prefeituras olharem para todo aquele espaço público sem carros e repensarem seu uso futuro. É um momento único para grandes mudanças.
Via Caos Planejado.