De oficina a táxi: serviços exclusivos às mulheres crescem no DF
Empreendimentos voltados ao público feminino estão em alta. Entenda os motivos e confira algumas opções no Distrito Federal
O relógio marca 6h e é o momento de ir à academia. Ao chegar, olhares indiscretos de homens que frequentam o local a deixam intimidada. De volta para casa, um infortúnio: o motor do carro dá pane. É preciso pedir um aplicativo de transporte e se deslocar até uma oficina. O motorista “elogia” a sua boa forma. Ao chegar ao mecânico, a forma jocosa como ele a atende, supondo desconhecimento e baseado em estereótipos, gera mais um incômodo.
Não são nem 9h da manhã, e situações bastante corriqueiras demonstram como o machismo e o assédio contra mulheres está intrínseco em pequenos gestos do cotidiano. Não à toa, cresce a oferta de serviços segmentos a esse público no Distrito Federal.
A medida tem diversos aspectos positivos. O primeiro deles é, também, o mais óbvio. Esse tipo de negócio incentiva o empreendedorismo feminino, segmento em que há uma clara desvantagem. Dados recentes do Sebrae apontam que 34% dos negócios nacionais são comandados por elas. Porém, a cada 10 empreendedores, 6,5 são homens e donos do negócio. Ainda que a escolaridade feminina seja 16% superior, eles seguem como maioria.
Entre o sexo feminino, é mais comum a taxa de pessoas que se lançaram no mercado “por necessidade”. O número chega a 44% de um total de 9,3 milhões de mulheres à frente de uma empresa no país. Muitas inovam simplesmente porque não conseguiram outro emprego, ou porque foram dispensadas após engravidar.
“Isso fortalece esse grupo economicamente. É um nicho de mercado muito importante”, avalia a socióloga Isabelle Anchieta, autora da trilogia Imagem da Mulher no Ocidente Moderno. “O aspecto econômico é central para o bem-estar da mulher em outras áreas da vida. Conseguir uma independência financeira, por exemplo, ajuda muitas a não ficarem em situações de abuso e de violência”, relata a escritora.
Ela alerta, porém, para um viés negativo desse tipo de iniciativa. “Do ponto de vista das interações sociais e humanas, há um ‘desenfrentamento’ de algumas questões, inclusive o posicionamento de mulheres em ambientes tidos como masculinos”, avalia Isabelle.
“Não falo enfrentamento no sentido de embate, mas de naturalização. Meu medo é gerar uma espécie de antipatia social, inclusive a movimentos identitários, como o próprio feminismo”, alerta.
Dona Conserta (reparos residenciais)
Proporcionar serviços de reparos domésticos para mulheres com qualidade, transparência e preço justo. Com essa proposta, a Dona Conserta prospera a passos largos na capital.
Fundada em 2017 e capitaneada pela empresária Cecília Bona, a iniciativa toma corpo graças a cinco funcionárias. Conhecedoras profundas do universo de brocas e parafusadeiras, tão dominado pelos homens, as servidoras contribuem para pôr fim ao termo “sexo frágil” e trazem acalento, principalmente, para mulheres que moram sozinhas.
“Além de evitarem receber pedreiros em casa por medo de assédio, as clientes optam pelo Dona Conserta pelo serviço pautado no diálogo e na empatia”, analisa Cecília. “Explicamos detalhadamente cada processo do reparo e precificamos de maneira justa, enumerando alternativas e não tirando proveito da falta de conhecimento delas [no assunto] para engrandecer o lucro”, complementa.
Fora oferecer serviços ao valor de R$ 100 a hora, a empresa organiza, periodicamente, cursos de elétrica básica e manutenção residencial. As aulas têm duração de 5h e prometem trazer às mulheres a tão almejada autonomia para, por exemplo, trocar um chuveiro ou aplicar um papel de parede. Os módulos custam R$ 240 cada e acompanham caixa de ferramentas ou luminária personalizada.
Atendimento em domicílio. Tel: (61) 98341-1885 e 98131-8223
Curves (academia)
A academia é apontada por muitas mulheres como palco constante de olhares abusivos e coerção sexual. As roupas justas e posições de alguns exercícios acabam sendo interpretadas por alguns homens como convite para importunação. Como um paliativo de urgência para inibir esses assédios, centros esportivos voltados exclusivamente para elas ganham força.
Um deles é a rede de academias Curves. Criada nos Estados Unidos e presente em países como África do Sul e Japão, a empresa tem uma unidade brasiliense, na 405 Sul. Ao total, são 20 endereços da franquia espalhadas pelo Brasil.
“O ambiente e método da Curves são 100% voltados à promoção do bem-estar das mulheres durante a prática de atividades físicas”, declara a diretora de marketing da marca no Brasil, Marta Schulz, em entrevista ao portal.
A academia aceita mulheres a partir dos 10 anos e tem mensalidades a partir de R$ 179,90.
CLS 405, Bloco C, Loja 28. Tel: (61) 3242-0003
Tatuato (estúdio de tatuagem)
Fazer tatuagens exige contato físico, muitas vezes, por horas a fio em uma sala na companhia apenas do profissional responsável pelo tracejado. Por isso, algumas mulheres optam por tatuadoras do sexo feminino, principalmente quando vão ilustrar partes mais íntimas do corpo. Sabendo disso e buscando incentivar outras “manas” a seguirem a profissão, a especialista em traços finos e aquarela Camila Corrêa inaugurou o Tatuato, estúdio exclusivo para elas na 111 Norte.
“O mundo da tatuagem é muito masculino. Há sete anos, quando iniciei a profissão, era ainda pior. À época, não me sentia acolhida pelos colegas de referência do mercado, todos homens”, lembra Camila.
Hoje, já reconhecida no ramo, ela assume a missão de abraçar mulheres que estão trilhando os primeiros passos na carreira. “O desejo é o de tornar a trajetória delas mais amigável do que a minha, oferecendo espaço de trabalho em meu estúdio, cujo o funcionamento é colaborativo”, conta.
O estabelecimento também é uma alternativa interessante para clientes que não querem ou, por questões religiosas, não podem ser tocadas por homens desconhecidos. As artes realizadas no estúdio custam a partir de R$ 200.
CLN 111, Bloco C, Sala 63, Subsolo. Contato via direct.
Sisterwave (plataforma de hospedagem exclusiva para mulheres)
A brasiliense Jussara Pellicano sempre gostou de viajar. Contudo, após algumas experiências solo, percebeu que seu maior prazer também lhe trazia insegurança. E que, ao contrário dos homens, ela e outras mulheres estão submetidas a uma espécie de “toque de recolher invisível”.
“Percebi que as mulheres tinham, em média, duas horas a menos por dia para aproveitar uma viagem. Em muitos lugares, uma mulher viajando sozinha ou ocupando espaços depois de determinado horário é incomum. O objetivo é que elas tenham uma sister local para falar mais sobre o lugar e acompanhá-las em alguns programas. Queremos encorajá-las”, destaca.
A solução encontrada por ela foi desenvolver o Sisterwave, uma plataforma de hospedagem exclusiva para mulheres e que funciona de forma semelhante ao Airbnb, embora possua algumas especifidades.Entre elas a impossibilidade de alugar propriedades inteiras. “Outro diferencial é a ferramenta de match de afinidades que ranqueia primeiro as pessoas que marcaram interesses e tiveram respostas semelhantes no cadastro”, explica Jussara.
“Estamos em um momento histórico que as mulheres ainda de forma tímida ocupam espaços de experiências e de poder que há pouco tempo eram exclusivos para os homens. Como é o caso de viajar sozinha e empreender em um negócio que tem o intuito de ser global. Quando se traz diversidade para o empreendedorismo se traz também problemas e soluções que são relevantes para pessoas que muitas vezes não tinham voz, nem poder de decisão”
JUSSARA PELICANO, IDEALIZADORA DO SISTERWAVE
Informações pelo site Sisterwave
EvaDrive (aplicativo de transporte)
Os aplicativos de transporte facilitaram a vida das pessoas, mas colocaram em evidência um assunto importante: a insegurança causada por dividir o trajeto com um total desconhecido. Uma problemática que os homens também estão sujeitos, mas que atinge, sobretudo, mulheres.
Foi pensando em oferecer mais segurança para esse público que o comunicador Valdir Borges idealizou o EvaDrive. O aplicativo começou a funcionar no ano passado, de forma semelhante ao Uber e ao 99Pop, exceto pelo fato de só motoristas e passageiras do gênero feminino poderem se cadastrar.
Outro diferencial é que, ao optar pela plataforma, as clientes também ajudam a fomentar o empreendedorismo feminino. Com o objetivo de também ser fonte de renda extra para as mulheres, o EvaDrive não desconta nenhum percentual ou taxa de serviço das motoristas.
Meu Mecânico (oficina mecânica)
Cansada de ser subestimada por mecânicos que, por várias vezes, apontavam problemas em acessórios que sequer existiam em seu carro, a bancária Agda Oliver, 39 anos, viu uma oportunidade de negócio. “Tive a ideia de montar uma oficina mecânica. Comecei a estudar por meio da internet e pelo próprio manual do carro”, conta.
O objetivo da empresária era proporcionar um espaço onde as mulheres pudessem levar os seus carros para consertar, contando com a transparência de quem, assim como elas, viveu na pele a experiência de ser enganada por um profissional machista.
O negócio deu certo e, há 12 anos, atrai todos os públicos, mas especialmente mulheres e pessoas LGBT. “E olha que as pessoas falavam que não ia dar certo, que contratar mulheres na área de mecânica é difícil. O preconceito ainda é grande, muita gente acha que mulheres não são capazes de arrumar um carro”.
A missão de encontrar mulheres para o trabalho, de fato, não é das mais fáceis. Por isso, apenas uma mulher atua na oficina, ao lado de outros três técnicos. No entanto, a regra do empreendimento é respeito e clareza, seja quem for o cliente.
“Qualidade de atendimento é a mulher poder falar sobre o um barulho do carro dela sem acharem que ela está fazendo uma pergunta boba”, defende Agda.
QNM 9 Conjunto H Lote 3, Ceilândia Sul. Tel: (61) 3372-4784
A empresária Agda OliverJP Rodrigues/Especial para o Metrópoles
Fonte: Metropoles