Isolamento vertical ou horizontal: como o lockdown ajuda a combater a COVID-19
Em plena pandemia de COVID-19, nós temos que estar sempre atualizados com novos termos, novas medidas e novas formas de encarar o problema e buscar ajuda. À medida que o número de casos aumenta no Brasil, novas recomendações também chegam a todo momento. E o isolamento vertical é uma delas: esse termo veio à tona recentemente, após pronunciamentos de autoridades na televisão aberta, causando algumas dúvidas sobre o seu significado e sobre como ele funciona no cenário pandêmico atual.
Com a rápida propagação do novo coronavírus, que vem fazendo vítimas em todo o mundo, a medida mais importante para conter o contágio é o isolamento social. Com isso, todo cidadão deve permanecer em casa — desde que possua esse privilégio —, evitando ao máximo sair às ruas e a ter contato próximo com outras pessoas, mesmo que elas morem na mesma residência.
Essa medida é chamada de isolamento horizontal, ou seja, se caracteriza por ser um isolamento total. Com todas as pessoas cumprindo essa recomendação, menos indivíduos entrarão em contato uns com os outros e, consequentemente, evitarão o contágio. Mas o que vem sendo colocado em pauta, atualmente, é o isolamento vertical, que consiste no isolamento apenas do grupo de risco. Em relação à COVID-19, fazem parte deste grupo pessoas idosas a partir dos 60 anos e aquelas com doenças pré-existentes, como diabetes, problemas cardíacos ou respiratórios.
Com a adoção do isolamento vertical, portanto, apenas pessoas do grupo de risco ficariam em suas casas, o que levaria à abertura de comércios, empresas em geral, escolas e universidades. Ou seja, pessoas razoavelmente saudáveis e mais jovens continuariam levando suas vidas normais, muito embora exista o risco de serem contaminadas.
O isolamento em outras eras
O isolamento, também conhecido pelo termo lockdown ou quarentena, já não é novidade no mundo. A palavra quarentena começou a ser usada na Itália, no século XIV, durante a epidemia da peste bubônica no país, quando houve a suspeita de que havia uma pessoa infectada em um navio e a solução foi isolar a tripulação e os passageiros para fumigar a embarcação por 40 dias. Com essa medida, o barco não chegaria em terra firme até que não apresentasse mais risco para outras pessoas.
A medida de prevenção já foi vista também em 1884, por exemplo, durante a epidemia de cólera e quando em algumas regiões da Itália, como a Calábria, autoridades máximas instruíram a população a não entrar em estações de trem. Além disso, muito tempo antes, entre os anos de 1347 e 1348, cidades italianas criaram um sistema de saúde complexo contra a Peste Negra, que se tornou referência a outros países da Europa, envolvendo quarentenas, descontaminação de locais públicos, cordões sanitários (barreiras) e estações de isolamento.
Outro caso aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial com a Gripe Espanhola, em 1918, quando escolas, cinemas, teatros e outros pontos de encontro foram fechados na Itália, com a proibição de agrupamento de pessoas nas ruas, funerais e cerimônias religiosas, além de restaurantes funcionando com horários reduzidos. Algo diferente do momento no qual estamos vivendo?
A quarentena também fez história nos Estados Unidos no século XVIII, em 1793, logo depois de uma epidemia de febre amarela chegar na Filadélfia e matar cinco mil pessoas. Com o acontecimento, foi criada uma estação de quarentena de mais de 40 mil metros quadrados próxima ao lago Delaware. Quase 100 anos depois, com a epidemia voltando em 1878, o Congresso norte-americano criou a Lei Nacional de Quarentena (National Quarantine Act), envolvendo o governo federal com as leis dos estados. Com isso, em 1921, as estações de quarentena foram entregues ao governo de vez.
Anos depois, em 1967, o departamento de saúde dos Estados Unidos transferiu as responsabilidades de quarentena ao National Communicable Disease Center, hoje conhecido como Centers for Disease Control and Prevention, o CDC. Com um novo comando, estações de quarentenas começaram a aparecer em diversas as fronteiras aéreas e terrestres.
Nos anos 1970, foi preciso reduzir o número dessas estações de 55 para 8 pelo governo acreditar que doenças infecciosas eram “coisa do passado”. Até que aconteceu a tragédia do 11 de setembro, em 2011, que criou um alerta ao governo sobre a possibilidade de bioterrorismo, aparecendo ainda, dois anos depois, o surto do SARS. Isso fez com que as estações de quarentena subissem a 20.
Respostas da economia
De fato, muitas pessoas sairão prejudicadas com o isolamento horizontal, sejam trabalhadores informais, empregados com CLT, comerciantes, micro e pequenos empresários, estudantes, entre outras atividades e profissões. Mas, neste momento, governos do mundo todo estão traçando estratégias para tentar controlar não só a propagação do vírus, como também discutir formas de fazer a economia continuar movimentando, com menos prejuízo possível e menos pessoas desempregadas.
De acordo com Nadja Heiderich, professora de economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, a FECAP, a economia do Brasil sentirá mais os efeitos da pandemia do novo coronavírus que o restante do mundo. Ela diz, primeiramente, que o país ainda não conseguiu se recuperar da crise de 2015, sendo então uma economia bastante instável.
“Os efeitos ainda estavam presentes, com o governo quebrado, tentando ajustar as contas; e empresas e famílias endividadas, apenas trabalhando, em sua maioria, para pagar as contas e esperar pela retomada da atividade econômica. Havia ainda uma parcela muito grande de desempregados e pessoas trabalhando na informalidade”, conta a especialista.
Heiderich diz ainda que, mesmo com todas essas ameaças, “o governo tem adotado medidas para elevar a oferta de crédito, por meio do BNDES e dos bancos públicos, com linhas de crédito mais baratas e com carência para o início do pagamento”. Para a especialista, no entanto, ainda seria ideal disponibilizar recursos via FGTS e reduzir a Taxa Selic para facilitar o acesso ao crédito. “A injeção de recursos na economia deveria ser maior, mas existe o problema fiscal que paira sobre o governo”, completa.
A professora diz ainda que pode existir um quadro de recessão global, visto que governos, empresas e sociedade civil estão em busca de encontrar soluções para conter os casos de COVID-19. “Os governos devem adotar medidas para amenizar os efeitos adversos sobre a renda das pessoas e empresas, como a injeção de recursos via vouchers e postergação de obrigações tributárias; e facilidade de acesso a crédito, criando políticas fiscais e monetárias expansionistas”, comenta.
A pandemia, como qualquer crise mundial, vai deixar consequências, de acordo com a especialista, pois as relações entre os países estão a cada vez maiores e mais complexas, aumentando a vulnerabilidade mundial em distúrbios sistêmicos. “Fica clara a importância da transparência por todos os países, para que as crises possam ser solucionadas de maneira mais rápida e com menos estragos; além do equilíbrio fiscal dos governos, que precisam dispor de recursos, da noite para o dia, em casos de situações como esta”, finaliza Nadja Heiderich.
Ação rápida, consequências mais leves
É preciso pensar no lado da saúde em equilíbrio com a economia para chegar a uma conclusão das melhores ações a serem tomadas. O isolamento vertical chegou a ser considerado em outros países, como a Holanda, quando o primeiro-ministro Mark Rutte não aprovou a ideia de fechamento total do país, planejando optar pela verticalização. Na Inglaterra, a medida também chegou a ser cogitada, protegendo apenas a parcela da população que corre mais risco caso haja a contaminação.
No entanto, uma pesquisa publicada no dia 16 de março pelo Centro de Análise de Doenças Infecciosas do Imperial College London, da Inglaterra, que orientou a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o governo inglês no combate à SARS, gripe aviária e gripe suína de 2009, causou um alerta nestes e outros países. De acordo com o estudo, que teve como base dados do Reino Unido e da Itália, mesmo que o pico de pessoas nas ruas seja reduzido e não cortado totalmente, os leitos das unidades de terapia intensiva ficariam lotados, com a necessidade de existir o dobro da quantidade atual.
Para os pesquisadores, o melhor cenário seria a aplicação de medidas rigorosas por curtos períodos, para posterior retomada. Com isso, a promessa para o Brasil era desanimadora, como contou o doutor, biólogo e pesquisador Átila Marinho, em uma série de vídeos que viralizou logo após o início da quarentena.
O estudo fala sobre o isolamento vertical como mitigação, quando a transmissão do vírus não será interrompida por completo, mas sim reduzida, mantendo isolado apenas o grupo de risco. Já o isolamento horizontal é tratado como supressão, reduzindo o número de contaminação restringindo a transmissão pelo contato humano, sendo a medida mais eficaz, mas também mais radical.
Porém, o estudo foi atualizado com uma revisão do cenário atual, trazendo notícias mais promissoras para o futuro, como comenta o especialista. A primeira publicação conta o que iria acontecer se os Estados Unidos e a Inglaterra não fizessem nada, se tomassem somente algumas medidas de prevenção ou se parassem completamente, além de uma conclusão afirmando que, se medidas extremas não fossem tomadas em pouco tempo, o número de pessoas correndo risco de vida seria muito alto. Outra parte do estudo mostra como seria possível sair da ideia mais extrema do isolamento horizontal para tomar medidas mais leves, como o isolamento vertical.
Os pesquisadores revisaram a quantidade de mortes que poderiam acontecer caso nada fosse feito, incluindo o Brasil na conta. Mesmo com o nosso país agindo rapidamente, os números continuam sendo graves, mas algo estar sendo feito já é um ponto positivo, como comenta o especialista. O estudo chegou à conclusão que se outros países adotarem medidas de supressão cedo, como as que o Brasil vem fazendo, grande parte das vidas podem sair ilesas ao vírus. Mesmo que o país não conte com uma população mais idosa, como é o caso da Itália, grande parte é mais pobre e possui mais complicações de saúde, como diabetes e hipertensão.
As medidas de distanciamento, no entanto, ainda estão longe de chegar ao fim pois ainda haverá a necessidade de mais leitos em hospitais do que a capacidade existente. Para Átila, a rapidez do Brasil nessas medidas fez com que o país ganhasse tempo no planejamento de novas infraestruturas e, claro, testes de diagnóstico da COVID-19. A revisão do estudo também revela que as medidas tomadas pela Inglaterra podem ter sido suficientes para reduzir a quantidade de mortes de centenas de milhares para dezenas de milhares.
Contágio rápido
O novo coronavírus é espalhado com muita facilidade, apenas com cumprimentos, conversas próximas, toques em objetos contaminados e a falta de higienização das mãos. Quanto mais pessoas contraírem o novo coronavírus e com isso acontecendo rapidamente, mais gente doente coexistirá no mesmo intervalo de tempo, e com isso, os sistemas de saúde do mundo todo não terão suporte para abrigar todos os casos graves, nem será possível fazer exames em todos os pacientes que sentirem, ao menos, um dos sintomas.
Pela COVID-19 se tratar de uma doença nova, nenhum local do mundo tem um tratamento 100% efetivo, pois não há medicação cientificamente comprovada como eficaz, muito menos uma vacina para a prevenção. Então, a maior arma existente no momento é a prevenção.
Fonte: Canal Tech