A influência da pandemia na mobilidade urbana.
Sair de sua residência e se dirigir a seus afazeres diuturnamente se tornaram proibitivos nos últimos dias nas capitais brasileiras e regiões administrativas. Em regime de distanciamento social passamos a valorizar hábitos mais simples da vida cotidiana, principalmente em locomover-se fundamentado no direito de ir e vir.
Infelizmente os modais coletivos de transportes apresentam condições de aglomeração e de maior facilidade de transmissão de diversas doenças e contaminação por vias aéreas mesmo os veículos por aplicativos, mototáxis ou automóveis não apresentam condições ideais, vez que o motorista e passageiro ficam a menos de 1m de distância entre si. Essas características inerentes aos transportes coletivos implicam que na medida do possível, as operações deverão ocorrer com ociosidade planejada. É uma forma de minimizar as condições de transmissão das doenças.
Durante o período de quarentena não é difícil fazer isso exceto por decisões menos elaboradas, neste caso, como foi o da redução das barcas que fazem a conexão dos municípios do Rio de Janeiro e Niterói que acarretou superlotação e piorou as condições de saúde pública. Justamente o que se pretende evitar.
A ociosidade planejada implica em veículos trafegando com bilhetagem inferior ao potencial de arrecadação. Tendo em vista que o transporte coletivo é subsidiado, o aumento de custo decorrente da política de ociosidade será um fator adicional de pressão nas contas públicas. No caso de diversas municipalidades como a de São Paulo o peso do subsidio adicional é significativo uma vez que já é uma das maiores rubricas de despesas públicas.
Este é mais um efeito da pandemia nas já combalidas finanças dos entes federativos. Todavia quando houver interrupção do período de quarentena o vírus ainda estará em circulação e a ociosidade planejada terá dificuldades de ser colocada em prática nos horários de pico. Os veículos já são alocados geralmente em sua totalidade durante esses e não haverá margem de ociosidade. Haverá necessidade de escalonar horários de entrada e saída de categorias profissionais nas diferentes regiões das cidades.
É uma operação logística complicada e delicada. Mas que não é impossível. Necessita de coordenação entre as esferas de governos e com as associações de classes e sindicatos. Será insuficiente e ineficaz porque parte significativa da ocupação é informal e a organização das atividades é espontânea e descentralizada. Em suma, tempos difíceis para a mobilidade e acessibilidade urbana e para o exercício do direito de ir e vir. Quando analisamos a mobilidade urbana observamos o mesmo quadro de assimetria e desigualdade social encontradas em outras áreas, renda, habitação, saneamento e coleta de lixo.
A pandemia coloca seus holofotes sobre as desigualdades sociais em nosso país. Face a este reconhecimento, somos forçados a buscar medidas que respondam ao objetivo do combate à epidemia em contextos sócio econômico muito distintos. A população que vive em favelas e regiões periféricas sentirá de forma muito mais grave os impactos da pandemia.
Os fatos recentes deixam claro para um público mais amplo o que profissionais de saúde, cientistas, entidades acadêmicas e movimentos populares denunciam há décadas sobre a necessidade de acesso universal a saúde, a água potável e ao saneamento básico. Para citar um exemplo típico dos tempos atuais basta acompanhar os efeitos da migração de grande parte das atividades econômica
e sociais: o atendimento via telemedicina e educação via internet podem por exemplo tornar mais aguda a exclusão de amplas parcelas já vulneráveis de nossa população. Os deslocamentos das pessoas de baixa renda estão diretamente associados ao trabalho que quando formalizado garante a elas o acesso ao vale transporte. O crescimento do número de moradores de rua também vem ocorrendo devido aos custos elevados de transportes no orçamento familiar e da instabilidade de renda daqueles que trabalham sem vínculos formais de emprego. Outro aspecto a destacar é a presença da mulher nestas comunidades, em que muitas delas respondem por uma parcela significativa ou mesmo total da renda das famílias, dos cuidados das crianças e dos idosos. Embora as diferenças salariais entre gêneros ainda sejam significantes, a formalização do trabalho doméstico e das cuidadoras de idosos trouxe muitas delas para o transporte público principalmente pelo acesso ao vale-transporte, processo que pode ser interrompido.
Os segmentos da população de baixa renda já vivem em regime de isolamento quando nos referimos a mobilidade urbana. As viagens de lazer nos finais de semana requerem um esforço suplementar que pode significar a falta de recursos no final do mês. Iniciativas de tarifa zero aos domingos tem sido exitosos em muitos municípios pois permitem as famílias deslocarem-se para visitar parentes, parques e outros atrativos de qual são carentes a maior parte dos bairros populares. Ou seja, o isolamento ou distanciamento social precisa ser considerado a partir da realidade de cada segmento da sociedade brasileira. O que requer ações diferenciadas a cada um deles de modo a tornar factíveis a adoção das medidas necessárias para a proteção das pessoas da contaminação pela pandemia existente.
Do ponto de vista das populações carentes, muitas medidas adotadas pelas autoridades de transportes públicos e empresas operadoras já estão sendo implementadas. A primeira delas foi a defesa da manutenção dos serviços de transportes públicos ajustados aos tempos de pandemia. Com isso o setor se somou a outros no combate a pandemia ao possibilitar a circulação das pessoas necessárias a denominada economia de guerra. Caso contrário, milhões de pessoas teriam ficado desassistidas. Porém, esta primeira medida se desdobra em ações que precisam ser aperfeiçoadas ao longo da pandemia. Tais como ajustar as redes de ofertas de serviços forma a assegurar e promover a redução da superlotação dos veículos. Criar novos serviços envolvendo as prefeituras e empresas operadoras, linhas de ônibus e micro ônibus destinados principalmente aos ramais de integrações próximos aos equipamentos de saúde e assistência social, facilitar a integração com outras modais, colocar à disposição das autoridades de saúde de equipamentos e equipes ônibus, micro ônibus, motoristas para auxiliarem na locomoção imediata de pessoas infectadas das comunidades para os centros de saúdes e abrigos seguros.
Em segundo lugar, as empresas do setor precisam proteger seu pessoal e buscar todos os meios para manter seus empregados. Para isto, precisa-se informar os profissionais tudo sobre a pandemia e cuidados a serem tomados, garantir o fornecimento de EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual) para os motoristas e cobradores e demais trabalhadores do setor que trabalham na manutenção nas garagens das empresas adotando processos de higienização dos veículos, paradas e terminais de forma constante.
Em terceiro lugar, cabe ao estado e autoridades municipais nas regiões metropolitanas promover a coordenação das ações durante a crise que podem
envolver ajustes as redes de serviços e promover a integração entre diferentes modais de transportes, destinados a facilitar os deslocamentos e avaliar de forma permanente a disponibilidade de recursos, veículos, profissionais, insumos para eventualmente propor ações cooperativas entre municípios e estados.
Finalmente o setor de transportes públicos tem raízes em muitas comunidades e regiões periféricas, muitos de seus trabalhadores vivem ali e a conhecem em profundidade. Ele pode e deve se somar ao esforço de muitas entidades e profissionais que estão mobilizados para reduzir o impacto da pandemia nas nossas periferias urbanas.
Em tempos de crise, CRIE!